17 abril 2016

Ser Isentão - Uma análise do Brasil atual

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Ser Isentão

— Oi, tudo bem? Então, é do grupo x ou y?
*Insira aqui uma resposta conveniente* — Ai sim! Qual seu nome? O engajamento político Brasileiro é uma histeria coletiva completamente ignorante. Há alguns dias, acompanhei a polêmica com o canal de humor Porta dos Fundos, que após publicar mais de dois vídeos criticando a esquerda, postou um, chamado Delação, criticando uma suposta ação seletiva da Polícia Federal. A reação foi completamente destrutiva. Outros canais, páginas e mais páginas criaram verdadeiras campanhas de boicote, teorias da conspiração e acusações improcedentes, generalizando um grupo heterogêneo de produtores que compõe o canal, ignorando os vídeos anteriores. Com a internet, as pessoas reforçaram o poder de auto afirmarem o que pensam - e, de quebra, radicalizaram suas ideologias - através da afirmação de um grande grupo, fenômeno já amplamente descrito pela psicologia, mas frequentemente ignorado pela própria sociedade. Caso seja um extremista do grupo da direita, pela situação que abriu este texto, neste momento, é possível que seus nervos estejam começando a latejar, um tique nervoso move sua sobrancelha, está pronto para me xingar nos comentários, cresce a vontade de atacar este potencial comunistinha que lhe escreve "Como pode defender um vídeo em que a sagrada polícia federal está sendo atacada?!". Caso seja do grupo da esquerda, talvez tenha construído, em cima do que escrevi acima, todo um estigma sobre quase tudo que acha que penso. Sou, neste momento, um companheiro - ops - compartilhador das suas ideias. Quando abraçamos a uma ideologia e observamos outros a "defendendo", é natural preencher as lacunas vazias a fim de, inconscientemente, nos reafirmarmos como indivíduos pertencentes à um determinado grupo. Como seres sociais, criamos essa necessidade - que embora seja natural, não necessariamente está correta. Mas, surpresa: O mundo não é tão preto no branco, nem vermelho no azul, e isso vale para os dois lados da moeda. Não da moeda Petralha X Coxinha/Anti-Dilma x Pro Dilma de hoje, e sim de todas as moedas ideológicas que já existiram, existem e vão existir. PASME! Este que lhe escreve simplesmente não faz parte de nenhum grupo. E tudo bem para todo mundo. Afinal, existem as tais liberdades de expressão, de pensamento e não há nada mais natural do que não se aliar a nenhum lado em momentos de divergência, certo? Errado. Não ser radical se tornou radical, e há poucas coisas mais valorizadas pelo homem do que a propagação da sua própria ignorância - e pizza, nos dois sentidos. Em discussões sobre movimentos de minorias, como o movimento negro, feminista e LGBT, sempre utilizei o argumento de que a pior coisa que poderia acontecer a uma ideia seria o surgimento de uma ala radicalista. Ainda escreverei um texto quanto a isso mas, basicamente, parto do pressuposto de que o radical sempre chama mais a atenção, o radical atraí mais mídia, é mais chamativo, e será ele que tomará - em um quase latrocínio - e dará significado ao nome do movimento em detrimento da verdadeira maioria ligada à ideia central. Uma pequena parte chamativa corrompe um símbolo mais do que o dobro de "integrantes" racionais o valorizam. Por exemplo, quase toda mulher nascida após 80 é, em essência, feminista. Entretanto, o nome "feminismo", para as pessoas e meios de comunicação, não está mais ligado à igualdade, ao fim do sexismo, e sim a um extremismo "machista reverso" extremamente impopular, desconexo da ética e, muitas vezes, do ideal central do próprio feminismo. Todos os anos de história, conquistas e ativismo inteligente ligados ao nome "feminismo" perdem sua força social, visto a generalização popular diante da relação recentemente estabelecida: O feminismo é sexista e desrespeitoso. Se antes o nome carregava uma intenção positiva, instigava homens e mulheres a pesquisarem, compartilharem e a entenderem as pautas, agora, que a ala radical se tornou mais visível, há uma corrupção desta nomenclatura, uma ação desestruturadora do movimento raiz muito mais potente do que qualquer oposição. O mesmo se aplica ao Ateísmo, que com os radicais sobe o holofote, está se tornando, no imaginário popular, uma religião dos que não creem, tamanho o devotamento em criticar a construção filosófica de Deus - não somente as religiões - com grandes e perspicazes argumentos, como palavrões, ofensas, citações irrelevantes e, até mesmo, uma fé tão "irracional" quanto a religiosa. E segue valendo para os negros, homossexuais e outras manifestações sociais. Aliás, o extremismo em grupo, aqui, surge pelo mesmo fenômeno que o político: A busca por uma afirmação daquilo que se pensa. Aceita-se linhas de pensamento cada vez mais inimagináveis para continuar sendo um membro do clã ideológico. Porém, com a vasta dicotomia extremista da política, o argumento que cabe nas minorias aqui se inverte, uma vez que os elementos definidos como "Radicais" partem de um julgamento coletivo muitíssimo subjetivo e passível de mutações. Quando a maioria define como normal escolher um lado da briga, ser ativista e até mesmo absoluto - logo, leigo e alienado - dentro do contexto atual, não ter um lado é que se torna radical, ser "Isentão" ou neutro vira crime. "Não pode ser isentão. É muito melhor ser um pragmático idiota, né?" Há uma exigência em dar a sua opinião, e ela deve corresponder a algum dos totens definidos. Aliás, quando escrever "Isentão", neste texto, estarei me referindo à neutralidade e não à inércia. Ou seja, um Isentão seria uma pessoa independente das bandeiras, dos lados ideológicos, embora reconheça que exista, dentro dos movimentos, usos distintos e, inclusive, pejorativos. Análises extensas e argumentos inteligentes não são chamativos, o que deixa os "sem lado" conscientes apenas com o título do argumento, mas sem o poder de destrutividade ou foco midiático. No fim, Todos querem que você se junte ao seu respectivo clubinho - Saudades Bolinha. O literal recrutamento de membros é tão assustador, massivo e inerente à prática de escolher uma ideologia, que eu não me surpreenderia se a Herbalife - ou a TelexFree - reivindicasse citação histórica na influência do ativismo político Brasileiro. "Como assim você não tem um lado? Qual é o seu papel como cidadão, hein? Não percebe a essencial função que eu exerço aqui? Repetindo discursos e chavões de líderes, indo na onda do lado que escolhi sem raciocinar uma linha sozinho? Ora!" — Uma declaração sincera. Por Um, Qualquer. A guerra é catalisadora da ignorância política, social, educacional e pessoal. Quando se escolhe um lado de maneira tão pragmática como vem se fazendo, aquilo se torna religião, time de futebol, fanatismo sem sentido, coisas que o Brasileiro entende - tá ai uma possível teoria para a crescente participação. Com o alinhamento a um lado, não se escuta o outro, não se aprende nada realmente novo, diferente, transformador. Quando os templos são atacados com argumentos, chama-se aquilo de heresia, de ofensa, um ataque ao seu grupo que deve ser revidado, mas nunca de argumento saudável, normal. Existem famílias brigando, casais se separando e é nestes aspectos pessoais que a gravidade fica evidente. Em tempos de extremismo, você é uma opinião, que define todas as outras. Um lado, que define o que você é. Criar generalizações e categorizações homogêneas virou atividade, daquelas de intervalo de almoço e, isso sim, é algo preocupante, tanto quanto a corrupção ou a eleição de 2018. Não há um incentivo ao debate inteligente, aquele em que se não chega a um consenso, se agradece pela atenção, pelo papo, pela prática da argumentação. A "onda", pelo contrário, induz violência, intolerância e o isolamento em uma ilha, cheia de pessoinhas que concordam e pensam como você, dispostas, a partir desta união, a proporem ideias e pensamentos cada vez mais absurdos, excessivos e malucos, tendo o aval do público, da comunidade seletiva, para continuar avançando. Nasce um extremista. No Facebook, as curtidas só contabilizam quem concorda. É possível bloquear quem odeia, acompanhar apenas o seu grupo. Caso encontrar com a outra alcateia? Já sabe, uiva que lá vem combate, batalha, "debates" distantes da racionalidade. "Vá estudar! Não tá vendo que só eu que sei?" — Dizia Um, Qualquer, novamente. Ser um "Isentão" pode significar não saber de nada do que está acontecendo - configurando inércia, ignorante da mesma forma - mas também define uma categoria diferente de pessoas, encontrando, nesta segunda, a posição mais inteligente e racional a se escolher: Isento de um lado e de sua carga ideológica, mas não de opinião ou conhecimento - sei o quanto isso soa petulante. Um observador formador da própria opinião, livre das amarras e das necessidades de se fazer parte de um dos exércitos - ou ser aceito por ele - dotado de pensamento autônomo, crítico e independente é, quando age - e deve agir - um potencial modificador da sociedade e da política muito maior que qualquer outro pingo regravador na multidão, e isso incomoda muito. 

Não é necessário aderir a um lado para ser a favor do Impeachment, ou contra. Quando se decide sobre um assunto, não há nenhuma obrigatoriedade em aderir a todas as pautas de um grupo que, pelo menos neste ponto, concorda com você. Porém, não há um interesse dos grupos nos Isentos, neutros ou independentes, não querem que você questione ambos os lados, proponha ideias ou pontos de vista duplamente divergentes, querem que repita o que já falam, grite com eles, querem auto afirmar aquilo que pensam, o que determinaram que seriam. Ser imparcial ou participar de um projeto cheio de pessoas que pensam diferentes é, praticamente, traição ao movimento, crime de guerra. A grande verdade é que não há o menor papel social "super importante" em escolher um lado, como parecem tentar estabelecer. O único papel que se faz ao abraçar uma bandeira ideológica, seus líderes, suas intolerâncias, pragmatismos e tudo que dizem, sem questionar, é o papel de Brasileiro Genérico, analfabeto funcional e, adivinhou, ignorante. Histeria política e ideológica não é exclusiva do país, mas conseguimos elevar a um nível de paixão e torcida quase inédito em contextos similares. O brasileiro exportou a idolatria futebolística diretamente para a política, sem nenhuma adaptação crucial - mais do que necessária.

Dizem que o mundo está chato pelos debates. É uma posição que discordo veemente. A sociedade não está chata por mais vozes ecoarem no salão das pautas políticas, ou pela "democracia" da internet. Está importuno porque as pessoas não sabem lidar com estas diferentes vozes, o mundo está chato porque é ignorante, e quem está de fora da euforia, acha isso uma verdadeira loucura - e com razão! A direita se sentiu traída pelo Porta dos Fundos. "Eles não eram do nosso clã? droga" e ninguém gosta de ser traído. Eis a revolta. A esquerda pelo Delcídio, pelo Temer e por outras centenas de ex-eleitores. Eis a revolta. Os petistas pelos tucanos "como assim eles não concordam com a gente?", os tucanos, pelos petistas. Eis a revolta. Os Petitas, os Tucanos, a Direita e a Esquerda pelos Isentões, que não quiseram fazer parte de nenhum. O compreensível fato de existirem opiniões distintas não é, afinal, tão compreensível assim. Culpa-se o outro lado pelas piores problemas e atrocidades através de teias que conseguem, milagrosamente, unir e transformar em relação as coisas mais ilógicas possíveis. Todo mundo gosta de uma boa teoria da conspiração, principalmente quando envolve destituir ou deslegitimar o "inimigo" - sim, vivenciamos a hostilidade exaltada. Eis a revolta. Para os protestos na Capital Federal, ergueu-se o criticado Muro do Impeachment, a materialização de um Brasil tão dividido, em dois lados tão pouco significativos à nossa variada cultura. A barreira causou espanto. Ela, porém, frente a todo o cenário, não é nada de mais. Não é o muro que divide as pessoas ou que as mergulhou em fanatismo. Fala-se muito do muro, pouco de como chegamos até este ponto, do estímulo à ignorância reproduzido todos os dias nas ruas, na internet, nos jornais. Três vivas à idiotice! Os Isentões que se cuidem, nunca foi tão radical não ser radical. Já o Muro, Pobre Muro - Não Moro, calma - apenas uma infeliz consequência necessária, colocando manifestantes adversários incapazes de conversar, conviver e relacionar entre si, agora, fisicamente, nas ilhas ideológicas em que já se encontram. — P. Barros

OBS: A opinião do autor não remete a opinião da Jovens Devaneios. Os integrantes e suas respectivas opiniões são independentes. _________________________________________________________________________________ Gostou do Texto? Não deixa de compartilhar. Quer saber mais sobre meu trabalho aqui na Jovens Devaneios (Contos, Trechos, Críticas)? Clica aqui. Críticas e sugestões são sempre bem-vindos.


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