05 janeiro 2016

Devaneios de Cinema #1 - O Despertar da Força ou de um novo Cinema?

/
0 Comentário(s)

Devaneios de Cinema #1 - O Despertar da Força ou de um novo Cinema?




Com uma abertura superfaturada, as salas de cinema do mundo todo reabriram as suas portas para a franquia Star Wars no dia 17 de dezembro de 2015. E por superfaturada, estamos falando de 14 milhões de dólares nas bilheterias em apenas algumas horas, 100 milhões de dólares com ingressos antecipados e outros 100 durante o primeiro dia da estréia. A paixão pela franquia é inegável, nós vimos milhares de fãs contando os dias para o lançamento do que parece ter sido o mais esperado dos filmes da franquia, juntamente com o Episódio I (coitados); mas não podemos dizer, longe disso, que o primeiro filme dessa terceira trilogia teve o mesmo destino do seu irmão de 1999. Star Wars Episódio VII talvez seja o melhor que o cinema já tenha nos trazido sobre dessa galáxia muito, muito distante...

Abertura

Se faltava algo para jogar a carreira de J. J. Abrams no paraíso, aí está, Star Wars: O Despertar da Força. O diretor foi muito feliz nas suas escolhas para o elenco e conseguiu relacionar um sentimento de nostalgia forte com uma história coerente e bem desenvolvida; o primeiro ponto agradou o público de forma universal, e o segundo amarrou os críticos numa crítica muito positiva. Combinar essas duas substâncias não poderia dar nada melhor, então vamos nos atentar mais ao trabalho de J.J. Abrams em Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força.

Fonte da imagem: Metacritic [http://www.metacritic.com/movie/star-wars-episode-vii---the-force-awakens]
Antes de mais nada, existem vários sites respeitáveis com reúnem críticas de excelentes revisores e cinéfilos da Academia (como o IMDB ou o Rotten Tomatoes), mas o Metacritic é o único que reúne críticas desses outros sites, por isso pra mim ele é o mais criterioso e o que oferece uma seleção de notas mais abrangentes.

Pois então, a nota maior no quadrado (metascore) se refere a nota média da crítica especializada, enquanto a menor em círculo (user score) se refere a nota dos usuários do site, o público. O que é bem comum em blockbusters (filmes de alto orçamento e forte marketing), ainda mais de franquias, é que a nota da crítica seja menor que a do público. Isso pois normalmente o diretor de um blockbuster consegue criar uma comoção e um entretenimento fortes no filme, que juntamente com um marketing forte, geram uma receita bem lucrativa e uma avaliação positiva dos usuários, mascarando alguns buracos de enredo ou atuações ruins com algumas estratégias; mas que não passam despercebidas para a crítica, que não perdoa.

A avaliação do público e a da crítica estão muito próximas em O Despertar da Força, esse tipo de fenômeno costuma indicar o que o Rotten Tomatoes chama de "Aclamação Universal". É o primeiro filme de Abrams a ser concebido dessa forma e também é o primeiro da franquia Star Wars, o que o cara fez pra tudo dar certo?

Nostalgia e Temática

E você achando que o Chewie era computação gráfica; não se esqueça que a Disney é um mundo mágico, amigo.
O Despertar da Força tem uma temática clara em cima do episódio IV da franquia; o filme apresenta semelhanças inegáveis e até um modo de operação e resolução de problemas parecidos com o da trilogia original. A Estrela da Morte é uma estrutura problemática no filme original, tal como a Starkiller; voltamos a ter um vilão mascarado, Kylo Ren (substituindo o velho e já falecido Darth Vader), e além disso ele é instruído por uma figura sombria que opera de fora dos planos, o Snoke (substituindo o também já falecido Sidious); e mais uma vez nós temos a busca de um Mestre Jedi, que dessa vez se apresenta como Luke Skywalker, que outrora procurou por Obi Wan. O que significa essa relação que foi feita com o filme original? Eu diria que uma mistura de insegurança natural e uma respeitosa dedicatória aos fãs que J.J. Abrams apresentou; receioso em inovar demais e acabar estragando a reabertura da franquia, o diretor preferiu apresentar muitos aspectos do filme clássico (inclusive os cenários d'O Despertar da Força foram trabalhados para se parecer com as formas originais, utilizando o menos possível das nossas famosas telas verdes), mas isso não quer dizer que ele não sacrificou aspectos importantes do roteiro ao fazer isso.

As críticas negativas do público e de parte da crítica especializada se recaem sobre o modo de operação na destruição da Starkiller que é muito semelhante e parece não só nostálgica, mas repetitiva para os fãs (principalmente para aqueles que viram tantas vezes aquele filme; esperar 10 anos para ver outra mega estrutura de destruição planetária é coisa de louco), além disso, parece que engenheiros ruins continuam sendo o problema do Império, já que a turminha rebelde (ou resistente) sempre dá um jeito de bolar um plano para desativar os escudos refletores (claro) e finalmente acabar com a brincadeira do vilão. Mas nesse quesito, nem tudo foi perdido; a destruição do sistema da República pela Starkiller é uma das cenas mais dramáticas do filme e em que melhor se trabalhou com efeitos visuais, além disso, o visual da Starkiller é bem diferente da prima Death Star (no original), Abrams deu um fim naquele raio verde estranho e inseriu algumas ogivas bem mais coerentes; uma marca positiva em pequenas modificações do diretor.

A reaparição de Han Solo e seu fiel copiloto Chewie foi genial e com certeza motivou muitas das avaliações positivas do público em cima do filme; além disso, o Episódio VII está carregado de referências (e não só o que parecem ser refilmagens) do original de 1977; Abrams caprichou na produção para o público e levou a melhor, mas poderia ter inovado mais e entregado um filme com mais chances de levar um Oscar (um roteiro bem original está sendo a chave).

Pauta do século

Pelo menos o BB-8 não é Gary Stu.
O diretor se apresentou claramente atento a questões discutidas com grande voracidade nessa segunda década do XXI (menos discutidas do que na década passada, em 2005 carregou o penúltimo filme da franquia) tais como racismo no cinema, assim como a posição das mulheres nas películas. E podemos dizer que Abrams foi muito feliz nessa pauta, um diretor corajoso ao inserir a primeira protagonista mulher numa franquia ficcional tão consagrada, e ainda, no mesmo filme, colocar um coadjuvante negro (que apesar de coadjuvante tem um papel pra lá de fundamental na trama). A pauta nesse elenco foi tanto chave de inovação como uma alavanca para a popularidade do filme, Abrams encontrou uma brecha excelente: Observou uma sociedade e uma Academia que criticavam sistematicamente a falta de protagonismo da mulher e do negro no cinema, e em um só filme, apresentou os dois. Mas nem tudo são flores, e eu e você que talvez tenhamos um pouco de experiência com cinema sabe que os diretores não são $antos e ás vezes não ligam de verdade pra essas pautas. Se não fosse pelos excessos claros que Abrams cometeu com alguns personagens, nós saberíamos que ele estava preocupado em apenas apresentar uma fraqueza do cinema americano; mas ele se excedeu, sobretudo com Rey, nossa protagonista.

O Despertar da Força segue o que chamamos de jornada do herói, uma metodologia de seguimento do protagonista apresentada por Joseph Campbell, um estudioso norte-americano. No cinema e na literatura, isso significa que o nosso herói (ou heroína) deve passar por diversas etapas metódicas de provação e desenvolvimento para provar seu valor e concluir sua jornada nas telas; normalmente, nós reparamos que o herói protagonista tem atributos que distinguem ele totalmente dos demais, características ou habilidades especiais que são até toleráveis. Apesar disso, alguns autores que produziram grandes obras (tais como Tolkien, com O Hobbit e O Senhor dos Anéis, e J.K. Rowling com Harry Potter) não utilizaram a jornada do herói em suas obras. Mas acho que Campbell ficaria pasmo ao ver o que J.J. Abrams fez com a sua metodologia e com a heroína de Star Wars.

Rey é uma Mary Sue. Isso ficou claro para qualquer um que conhece o conceito e deu uma boa assistida, com muita pipoca, a'O Despertar da Força. Mary Sue é outro conceito de cinema e literatura que descreve uma personagem desenvolvida de forma perfeita, quase inatinguível, e que faz tudo certo para que a história se desenvolva de forma rápida. Todas as habilidades excepcionais que Rey apresenta durante o filme são justificadas pela "Força ser forte nela", essa é uma desculpa bem desconexa para uma garota que, sem nenhum treinamento, derrotou Kylo Ren (já vamos falar dele) que era um cavaleiro ainda de treinamento incompleto, mas experiente e com um claro domínio da Força (ainda que com pouco domínio de si), e ainda manipulou a Força para pegar o sabre de luz de Anakin (mostrando que a Força era mais forte nela que em Kylo Ren, e conseguindo o feito ainda que o sabre estivesse mais próximo de Kylo que dela) e pra finalizar é ainda uma ótima piloto, derretendo o coração do Han Solo que ainda a convidou pra auxiliar na pilotagem da Millennium Falcon. Esses atributos te lembram alguém? Exato, o pirralho do Episódio I: Anakin Skywalker (quando criança), o garoto era um super piloto de pod, construia/reformava robôs complexos, tornou-se um piloto muito competente e além de tudo nasceu da virgem Maria Shmi Skywalker, sem um pai; tudo programado pra que ele fosse o "Escolhido".

Concluindo, na sua tentativa de criar uma personagem que levasse as feministas pro cinema causando comoção geral e abalo midiático, Abrams se excedeu e criou uma Mary Sue( ou Gary Stu, no masculino), o que lhe entregou algumas críticas negativas da crítica especializada.

Vilão

Belos olhos
Essa seção poderia se enquadrar na primeira, mas preferi inserir nosso temido Kylo Ren aqui, especialmente. Abrams repetiu sua dose de insegurança e medo de inovação (ou de ser crucificado pelos fãs) quando foi arquitetar o vilão, justamente a obra mais icônica de Star Wars; apelou para um novo repeteco. Novamente temos um vilão mascarado, mas pra cortar orçamento esse aqui (Kylo Ren) não sofreu qualquer tipo de mutilação para usar o seu traje do mal (que foi obviamente mantido para que os fãs veteranos não enfrentassem qualquer choque em um vilão diferente); a desculpa dada no enredo é que Kylo Ren é um admirador de Darth Vader e quer "terminar o que ele começou". Isto é, por algum motivo Luke Skywalker não contou a ninguém que seu pai havia se redimido e deixou que Vader passasse o resto dos tempos sendo odiado pela galáxia, pois é o que Abrams quer que acreditamos. O ator que interpreta o vilão não atuou de forma consistente (principalmente pra confirmar as desculpas de que ele estava baleado ou emocionalmente abalado quando foi derrotado por Rey; pois quem não visse ele levando um tiro não saberia que tinha sido baleado, pois o ator interpreta muito mal, principalmente a parte sentimental); mas não sejamos duros, é difícil atuar bem com uma máscara na cara em 70% das suas cenas, essa foi uma péssima escolha de figurino que prejudicou o desempenho e potencial do ator.

Conclusão

"Star Wars: O Despertar da Força" é um excelente filme para a franquia, que precisava de uma sacudida há muito tempo e de uma direção de verdade. Mas é um filme ainda melhor para progressistas ou geeks (ou progressistas geeks), que vão desmentir toda a crítica negativa e sair cuspindo marimbondos. O filme não tem erros muito acentuados, mas sim coisas que poderiam ter sido mais inovadoras ou mais desenvolvidas. Além da escolha de um ator ou figurino melhor para o vilão, o diretor poderia ter trabalhado em um final mais fechado, ainda que seja para o início de uma trilogia; o ato do filme é a busca por um mapa que leva até o lendário Luke Skywalker, e no final nós vemos o velho olhando inexpressivamente pra sua cara, e você gritando mentalmente pra algo acontecer; mas o filme acaba. J.J. Abrams foi um diretor muito feliz nas suas escolhas (nas certas e até nas erradas, pois talvez não tenha sido tão duramente punido na crítica quanto deveria; pelos fãs, nem se fala), mas é inegável que ele deixou um trabalhão para um diretor que vai ter que resolver os buracos da trama (como a origem da Primeira Ordem e uns ajustes na nossa protagonista super-poderosa); seu sucessor provavelmente será o diretor Rian Johnson (mesmo de The Brothers Bloom, que custou 20 milhões e arrecadou 5). Então boa sorte à franquia!

Para finalizar, justificando parte do título do artigo. Achei a pauta de Abrams audaciosa, abordando de forma explícita um assunto muito discutido, e de forma sutil também por ser numa escolha de elenco; talvez estejamos partindo para uma nova forma de dirigir filmes, onde o diretor está mais preocupado com o que as pessoas pensam de forma geral para que o filme tenha um sucesso esperado; então, cuidado com suas cabeças.



Nota

Vou levar muito em consideração o roteiro e a atuação na atribuição de notas aqui na JD, que é um critério pesado pra maioria dos críticos; então, sem mais delongas:

Atribuo 4 de 5 estrelas para Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força, numa nota pontual de 7,8.



7,8
★ ★ ★ ★
 
  • Pela direção inovadora do ponto de vista de pauta cinematográfica e por respeito com os fãs da saga, um grande crédito.
  • Mas pela deficiência em inovação dentro da própria franquia Star Wars e uma organização mau gerenciada dos personagens, um grande débito.


Posts relacionados

Nenhum comentário: