07 janeiro 2016

Devaneios de Cinema #2 - Os Oito Odiados - Crítica

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Os Oito Odiados - Crítica com e sem spoilers

Ficha técnica:

Título original: The Hateful Eight
Duração: 167 min.
Class. Indicativa: 18 Anos
Gênero: Ação, Faroeste
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh

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Sinopse oficial:

Durante uma nevasca, o carrasco John Ruth (Kurt Russell) está transportando uma prisioneira, a famosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), que ele espera trocar por grande quantia de dinheiro. No caminho, os viajantes aceitam transportar o caçador de recompensas Marquis Warren (Samuel L. Jackson), que está de olho em outro tesouro, e o xerife Chris Mannix (Walton Goggins), prestes a ser empossado em sua cidade. Como as condições climáticas pioram, eles buscam abrigo no Armazém da Minnie, onde quatro outros desconhecidos estão abrigados. Aos poucos, os oito viajantes no local começam a descobrir os segredos sangrentos uns dos outros, levando a um inevitável confronto entre eles.

Data de estréia no Brasil: (07/01/2016) - Data desta postagem.
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A crítica/análise será dividida em capítulos, assim como o filme. Considere este início como um pequeno prólogo. Indico que, caso não tenha visto, dê uma lida na sinopse oficial para ter uma noção de elementos que tratarei ao longo do texto, embora eu vá retomá-los quando julgar necessário. Não se preocupe com spoilers. Quando for a hora deles, avisarei com clareza. 

Capítulo 1 - Uma questão de perspectivas
(sem spoilers)

"O oitavo filme de Quentin Tarantino" grandes letras informam ainda nos créditos iniciais. O aviso, a primeiro momento, parece não ter importância. No entanto, ao longo da trama, é possível analisar que sim, aquela pequena frase pode impactar na perspectiva do espectador - consciente disso ou não - de diferentes maneiras, dependendo da intenção e da expectativa na qual entrou na sala de cinema.

O oitavo filme de Quentin Tarantino
Apesar de ter sido abraçado como um cineasta cult por diversos grupos e tribos sociais, Tarantino, querendo ou não, possui um grande apelo comercial em suas propostas, mesmo que trabalhe com cinema adulto. Não é necessário nenhum conhecimento profundo de filosofia, nem mesmo possuir saberes básicos quanto a construções de narrativas - ou como interpretá-las - para poder se divertir com as estórias violentas, sanguinárias e quase sempre criativas do diretor. Tal público padronizado, vê nos incríveis diálogos, nas referências inteligentíssimas, no compasso para construir as situações e na criatividade em criar reviravoltas como obstáculos - em casos extremos -  ou elementos neutros e de menor importância em relação ao que vieram de fato assistir: Tempo de violência, como o subtítulo de Pulp Fiction já dizia aqui no Brasil.

Claro que tais qualidades "periféricas" não vão passar despercebidas, porém, nunca terão, a este tipo de público, o significado e o impacto que poderiam ter. Basta dar uma olhada na internet para ler inúmeras críticas aos "falatórios enormes", à demora em desenvolver a narrativa ou, ainda pior, à cenas que consideram desnecessárias, muito provavelmente motivados por uma sede ao pote de sangue, exigência que passa por cima da racionalidade. Observar este movimento não é nenhuma surpresa, visto que são tempos em que o cinema jovem se vende com explosões e o adulto com sexo e violência. Não que sexo, violência ou explosões sejam coisas erradas, muito pelo contrário. Foram elementos essenciais em diversas obras de peso e impacto. O problema está no endeusamento popular destes artifícios, em um público que faz avaliações surpreendentemente positivas de filmes completamente vazios e se incomoda quando o outro lado atrapalha o que pagaram para assistir, adivinhou: Sexo, violência e explosões - humor de vez em quando. Tarantino é inegavelmente um diretor inteligente. Não há necessidade em refletir sobre suas tramas, o que lhe garante uma boa audiência comercial e, logo, um investimento interessante. Entretanto, há possibilidades para tais pensamentos, e elas são muitas.

Em "Os Oito Odiados", Tarantino até repete fórmulas de filmes anteriores, especificamente "Cães de aluguel" e o anterior a este, "Django Livre". Porém, a ousadia da vez se encontra no ritmo, muito mais lento que qualquer outro que já tenha feito. O filme é extremamente monótono durante as quase 3 horas de duração, nas quais o diretor desenvolve diversas conversas - extremamente naturais, como de costume - em que, muitas vezes, não colaboram necessariamente para os acontecimentos futuros. Os diálogos estão lá, claro, para ilustrar um contexto histórico, desenvolver uma característica mas também por simplesmente lá estarem, sem uma necessidade especial. Afinal, assim é na vida real e em suas relações sociais. Essas conversas banais, assim como algumas vagarosas cenas mostrando as paisagens, estão lá com o objetivo de criar uma imersão àquele universo histórico, além de citarem referências e criarem pequenos - e felizmente não desenvolvidos - contextos aos aspectos da personalidade de pelo menos seis dos oito envolvidos. Cabe ao espectador inteligente, então, terminar de mastigar esses fragmentos e criar suas próprias relações pessoais, tendo um vasto espaço para refletir a respeito dos comportamentos e personalidades humanas, podendo associá-los com a  história e a estória, revisando acontecimentos diversos, coletando as migalhas até encontrar um filme muito melhor e mais artístico do que as mesmas cenas assistidas por um olhar não metafísico.

Uma das marcas mais conhecidas do diretor está em inserir extensas trocas de palavras antes de exuberantes derramamentos de sangue. Ao mediano, as conversas são aquela espera ansiosa, causam tensão, mas não deixam de ser levemente tediosas. Já a quem assiste não apenas para se satisfazer com as cabeças rolando, os diálogos pré-clímax se transformam naquela deliciosa entrada, que vai se tornando cada vez mais suculenta. O prato principal nada seria sem elas. Vão alimentando seu estômago, criando uma tensão ansiosa boa de se sentir, espera-se pelo pináculo sentindo prazer com toda aquela situação. Depois de algumas colocações geniais, voilá, o glorioso tiroteio! - que neste, em especial, se torna ainda mais cômico que em qualquer outro filme de sua autoria. - um orgasmo em que o "finalmente" é substituído por "por que diabos não conversaram mais?".

Da mesma forma é a frase que citei no começo deste capítulo: "O oitavo filme de Quentin Tarantino". A frase é a esperança cujo o público ansioso por sangue necessita para aguentar a monotonia das paisagens, das conversas às vezes sem sentido e até mesmo algumas situações que embora sejam agressivas e repletas de um humor psicótico, não adicionam quase nada a linha temporal ou não possuem nem a metade da fabulosa violência Tarantiniana. - Aliás, esses trechos funcionam como a continuidade da promessa feita na frase do início, o estouro ameaça começar em diversos momentos. Este público até irá reclamar da espera, mas no fim, irão receber o que vieram assistir com conflitos extremamente bem dirigidos, litros de sangue falso e um uso preciso de slow motion. Muito provavelmente, apesar do aguardo, marcarão presença na próxima produção do cineasta.

Lembra da "entrada" que citei no penúltimo parágrafo, o interessante prólogo ao público que enxerga naquela assinatura mais do que pura violência? Pois é, a frase é também a tal confirmação do pedido. "O oitavo filme de Quentin Tarantino". Todos sabem que no fim tudo acabará em pizza bala, previsibilidade que comentarei no próximo capítulo. Entretanto, ousando mais no ritmo desta vez, Tarantino pega sua marca e a amplia para toda a narrativa. O lento desenvolvimento, a imersão - a quem se permite a ela - os fragmentos agressivos - provinhas do ápice, na nossa analogia. - agradam a quem se diverte e se envolve com o roteiro, sem categorizá-lo como tedioso por uma ânsia. Gregos e troianos se entendem, assim como em outros filmes do diretor, quando a promessa da frase é entregue, apesar das diferenças no "produto". É um filme de Quentin Tarantino. Comercial a uns, mesmo que "arrastado" e mais do que isso a outros. No fim, é tudo uma questão de perspectivas.

Capítulo 2 - O filme em si
(sem spoilers)

Me lembrou o poster de "Bastardos Inglórios"
O filme se passa após alguns anos do fim da guerra civil americana, que ainda tem impacto sobre a vida e a posição racial de cada um. A maior parte da estória acontece na pousada de Minnie, lugar onde os oito se encontram pelo acaso do destino (Será?) e ficam presos pela nevasca na qual os personagens do primeiro ato já fugiam. A fotografia aqui é excelente. O ambiente pequeno não é claustrofóbico, o plano aberto permite a observação de detalhes, tanto pelo público quanto pela ótica de alguns dos personagens - principalmente o de Samuel L. Jackson, certamente o mais clínico e atento. Tudo é bem posicionado para os ângulos da câmera, lembrando uma peça de teatro e impressionando em alguns pontos do filme. Certos objetos ganham funções imediatamente perceptíveis, como uma porta catalisadora de tragicomédias ou uma mesa que transforma aquela pequena casa em um Estados Unidos dividido pelas diferenças. Outros, por sua vez, ganham significado com o andamento da trama, que não é linear, como Tarantino usualmente trabalha. 

O visual das cenas externas é também muito bom, apesar de parecerem comuns. A nevasca, apesar de sua força, não chega a soar ameaçadora em nenhum momento, o que não é um demérito. Ela se torna muito mais uma circunstância do que um perigo, dando foco a relação entre os oito. Os aspectos visuais transcendem os ambientes nos excelentes figurinos, de figurantes à protagonistas. Todos parecem ter saído diretamente do fim do século XIX.

Apesar das qualidades, "Os Oito Odiados" era uma excelente ideia, inova em seu ritmo, mas é repetitiva em sua fórmula de resolver os problemas que cria, de formas não muito originais, diga-se de passagem. De todos os acontecimentos importantes, apenas um ou dois impressionam com a imprevisibilidade. Novamente, a frase do começo tem um impacto: É mesmo um filme de Quentin Tarantino. Esperar inovações devido ao ritmo diferenciado é se decepcionar com uma expectativa.

Porém, a falta de diferenciais não torna o filme ruim. O cineasta dirige seus próprios clichês de uma forma mais madura, a violência está ainda mais sádica e cômica, os atores, mesmo os com potenciais menos explorados, parecem estar se divertindo com tudo aquilo, sente-se uma verdade em cada um dos papéis. A escolha de elenco é, aliás, um ponto positivo que só se desvaloriza pelas dificuldades claras em acompanhar todos durante as cenas e pelo mal aproveitamento de Demian Bichir (como Bob) e Michael Madsen (como Joe Gage). Há espaço para todos os outros seis atuarem, mas nunca ao mesmo tempo.

A trilha sonora não é composta apenas por músicas clássicas de faroeste, é marcante durante o filme, mas fica para trás quando o mesmo termina. Mesmo assim, de todos os filmes do diretor, é uma das mais envolventes já produzidas, chegando a causar de uma agoniante - e muito positiva - aflição à uma liberdade para rir de algumas desgraças.

Ao contrário de "Django Livre", "Os Oito Odiados" não possui nenhum herói, tornando este um faroeste muito melhor, complexo e profundo. Todos são questionáveis, até mesmo as autoridades. Na falta de opção para se torcer, resta ao espectador sentar e observar o que veio assistir, dependendo, novamente, de sua perspectiva quanto a Quentin Tarantino.

Capítulo 3 - Cenas específicas
(com spoilers - pule este capítulo caso não goste)

O que um homem faz por um cobertor?
Os momentos mais imprevisíveis e interessantes certamente são os que ocorrem entre a metade do capítulo três e o fim do capítulo quatro. Começando quando o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) se senta para conversar com o General Sanford Smithers (Bruce Dem), que participaram em lados opostos da guerra civil, o primeiro pelo norte e o segundo pelos Estados Confederados. Marquis Warren precisa de um motivo para matar seu inimigo sem ser condenado pelo futuro xerife Chris Mannix (Walton Goggins), presente na sala. Atirar em um velho desarmado certamente lhe renderia um lugar na forca, garantem as autoridades. O personagem então começa a provocar Sanford Smithers falando sobre seu filho, cujo velho informou não conhecer o paradeiro anteriormente. Warren se levanta, deixando uma arma ao lado do idoso e começa a contar o que se confirma ser uma história (com H, através dos flashbacks) de como matou o filho de seu inimigo de guerra, no que se torna um dos diálogos mais geniais do diretor. A direção é de tirar o fôlego, a música em progressão, a atuação irônica de Samuel L. Jackson com o colapso sentimental de Walton Goggins tornam a cena um clássico instantâneo. Quando falarem de "Os Oito Odiados" no futuro, certamente será dela que nos lembraremos imediatamente, pois apesar do clichê no desfecho, a forma como chegamos nele foi um toque especial.

Sanford não gostou de descobrir.
Imediatamente depois, no começo do capítulo quatro, surge Tarantino - literalmente, fazendo a voz do narrador. - com um elemento imprevisível. Enquanto todos prestavam atenção em Warren, - inclusive nós, espectadores. - alguém envenenara o café, desencadeando mortes sanguinárias extremamente divertidas que transformam o cinema em uma sala de semi psicopatas sádicos. Insisto em dizer que os momentos se tornam ainda mais prazerosos quando não se vê todo o desenvolvimento até eles como um obstáculo, e sim como um complemento necessário. A atuação de Jennifer Jason Leigh como Daisy Domergue é excepcional nos outros capítulos, neste, ainda mais.

- O final -


Depois de muitos sangue derramado, chegamos ao final, que tenta criar uma tensão pouco efetiva com a indecisão do Xerife Chris Mannix, personagem de Walton Goggins, se esquecendo de que, sem heróis, o público já pouco se importava com quem viveria, o que dá a sequência um teor muito mais humorístico do que dramático, mesmo com a possível tendência à causa racial do personagem de Samuel L. Jackson. Apesar de ser parcialmente previsível, o que marca no fim é a leitura da carta falsa de Abraham Lincoln destinada ao Major Warren, um objeto que desarmava os brancos, burlando os preconceitos. Uma mentira que o próprio personagem negro, no fim, parecia gostar de acreditar. A carta e o argumento para sua existência é muitíssimo interessante e digno de uma reflexão sobre questões raciais, infelizmente não deixadas em 1870.

Capítulo 4 - Conclusão
(sem spoilers)

"Os Oito Odiados" é sim um filme de Quentin Tarantino, repetitivo em vários elementos de sua fórmula mas inovador em seu ritmo. O diretor se mostra maduro e promissor, criando um faroeste superior ao seu último. Mostra motivação em seus projetos e disposição em ser autêntico. Experimenta novas coisas nesta obra, o que a torna uma de suas melhores. Faltou-lhe, porém, a coragem para sair totalmente da zona de conforto na qual estabeleceu sua filmografia, oportunidade parcialmente perdida nesta excelente ideia. A tal receita, embora seja repetitiva, recebeu cobertura com sua fotografia, trilha, figurino, atuações e diálogos superiores e melhor construídos. O ritmo mais ousado só se torna uma faca de dois gumes se dele expectativas de maiores inovações surgirem. Infelizmente, ao público mais atento, elas surgem. 

Ficou claro.
Em entrevista, o diretor demonstrou interesse em dirigir um novo faroeste, já que inova no gênero - mesmo com sua fórmula - abordando lados raciais que o faroeste clássico ignorava. Fica a pergunta: o que esperar do "nono filme de Quentin Tarantino"? Ansiando por um diferencial não dissonante de seu estilo, aguardo por uma assinatura que não cumpra com as expectativas padrões, dando lugar a, quem sabe, uma nova perspectiva. Quentin Tarantino - Tempo de violência mas também de mais profundas inovações. Quem sabe?

Nota

Darei a nota em pistolas, ao invés de estrelas.


"Os Oito Odiados" leva, então, 4,5 de 5 pistolas de faroeste. 

Tem algo a adicionar na crítica? Não deixe de dizer nos comentários.
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- A Revelação - Uma jornada Filosófica é um conto seriado pré apocalíptico. Um homem melancólico acorda de seu coma e parte, por um misterioso motivo, em busca de resgatar sua personalidade, encontrando com excêntricos personagens no caminho.



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