Cavalheiro Desconhecido - Poema
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Cavalheiro Desconhecido
Que silhueta esguia é aquela,
Sinto daqui teu odor, de álcool e tabaco,
e vejo bem; as más vestes que o vem trajado.
Tens olhos profundos, encarcerados em roxeadas órbitas.
Em tua íris castanha vejo bordado dos infortúnios que o desolara.
Os lábios entreabertos;
desbotados e rachados,
margeiam um tímido sorriso que, sarcástico,
me congela o sangue das veias.
E me dá náuseas,
o odor exalado dos putrefatos dentes.
A barba, há tempos não é feita,
tal como o cabelo ,
que seboso e despenteado lhe cai à fronte.
Teu corpo é magro, sem carne ou gordura,
apenas um punhado de ossos na epiderme ensacado.
Por estar vestido em curiosos requintados trapos,
seria ao sujeito tamanho elogio
o adjetivar de malogrado.
Mas que figura despiciente é esta,
que me amargura a existência,
só de aparecer à minha frente?!
-Semblante da escória, vá te embora de minha morada!-Eis que ordeno,
no entanto, a figura permanece em teu leito;
parada.
-Homem ou andarilho, sem teto, mal-acabado; tome a porta de entrada, e saia logo de minha casa!-Insisto firme, mas me espanto:
não dera um passo para fora de seu canto.
-Maldito infeliz que me desafia, colocar-lo-ei para rua - vos digo em verdade!
Apanho as lentes, e levo aos olhos,
e retomo minha postura como autoridade.
Mas eis que de súbito a verdade me cai em mente,
e ainda surpreso, me faço perplexo:
O infeliz que vejo à minha frente
é o mesmo infeliz que vos fala,
a fitar o próprio reflexo.