15 dezembro 2015

Talea - Diálogo filosófico

/
0 Comentário(s)
Talea - Diálogo filosófico

Talea, palavra de origem italiana, que quer dizer "corte". Trata-se, na verdade, de um tipo de licor Amaretto, muito pretigiado na Itália. Esse é um diálogo entre dois homens sábios e desocupados
acerca de um dos prazeres que ocupam ou vão ocupar, ao menos uma vez na vida, um momento de tédio, decepção ou euforia de alguém: O álcool.

Espero que se embriaguem na leitura tanto quanto eu me embriaguei com a escrita do texto.

- Lucas Venceslau

_________________________________________________________________________________

Os dois homens caminhavam lado a lado, calmamente, atravessando a densa atmosfera noturna da cidade. Falavam do firmamento sobre eles e dos corpos enterrados sob seus pés, contando histórias não contadas e procurando um assunto pelo qual valia a pena gastar energia. Atravessaram a pequena rua mal iluminada e entraram em uma viela, que dava para uma taverna barulhenta; caminharam, agora em silêncio, buscando minuciosamente a próxima criatura, prática ou natureza para ser discutida e avaliada, concordaram mentalmente em ignorar os ratos da viela e aos poucos davam mais atenção aos sons da taverna no fim do caminho.
O senhor quer falar deles? - disse o mais jovem dos homens, indicando a taverna com a cabeça.
Se dependesse da vontade deles, essas pobres almas não iriam querer ouvir meu discurso. Fiquemos fora da sua esbórnia, então. - Disse o segundo homem, olhando com tristeza para o recinto, e depois indicando uma série de jornais abertos forrando o chão, certamente o abrigo de algum mendigo que saíra.
Os dois sentaram-se ali, olhando para a taverna.
Que barulho! Consegue entender as vozes? - disse o jovem.
Não preciso. - Respondeu ele, impassível. - Do que esses homens falam, normalmente?
Mulheres? - Respondeu o jovem.
O homem fixou o olhar no jovem, sem dizer nada.
Eles bebem e falam de bebidas, de prazeres, de mulheres... de feitos e desgraças. - Acrescentou.
Eles fazem isso como nós fazemos? Amam falar disso? Amam o que conhecem? - Perguntou o homem.
Não. Eles não fazem porque gostam, certamente não falam do Estado ou choram pelos feitos alheios e as desgraças de si quando sóbrios, como nós fazemos.
Então é a bebida que faz isso? - Perguntou o homem, finalmente com um olhar curioso.
É? - Indagou o jovem, sentindo que dissera a coisa certa.
O homem riu olhando para baixo. Estavam agora nas portas de uma grande conversa.
Qual é a melhor das bebidas? - Disse, voltando a atenção para o jovem.
A que do melhor se tira, aquela que traz ao homem um estado de boas reflexões, memórias e nos traz à tona o que fizemos de...
Há um licor - interrompeu o homem - incapaz de trazer dores ou sofrimento...
Ora, então apresente-o a esses homens da taverna! Pois muitos sofrem pelas más escolhas dentre as bebidas, meu senhor. - Exclamou o jovem, cheio de bondade.
O homem gargalhou gostosamente, sua voz rouca ecoando pela viela atrás deles. Não respondeu, mas continuou seu discurso.
Esse licor não é ácido, nem doce; não traz lembrança nem esquecimento.
Já não pode ser útil, então... - Disse o jovem, numa mistura de rispidez e curiosidade.
Nem traz a memória que rói, rói o tempo... - distraiu-se o homem, olhando para um rato passageiro - não traz o calor de nenhum momento, nem embaralha a mente, nem faz do clérigo descrente. Não nos corta a garganta, nem nos sustenta fardo de que há muito sabemos, não mais adianta.
É mais uma das relíquias de suas viagens, senhor? - Disse o jovem, sonhador.
Ah, sem dúvida é uma relíquia. E sim, a encontrei várias vezes em minhas viagens, homens bons até a ofereceram para mim, mas não é rara nos homens por ser rara no mundo; é rara nos homens por ser valorizada por poucos, menos por aqueles que encontrei nas minhas viagens.
Continue, senhor. - Disse o jovem, empoleirando-se nos jornais sujos.
É a bebida dos exaustos oradores, dos viajantes, dos pobres, das crianças, das ciências e dos cientes. E no momento que tomar uma garrafa dela em mãos, tenha certeza que teus pensamentos são teus, tua loucura é tua, tua desgraça é tua e teu sucesso é teu e apenas teu. Porque a mesma bebida da vida é a bebida da verdade.
Então há mentiras nas bebidas da taverna? - Perguntou o jovem.
Há mentiras nas bebidas dos homens, todas elas são fermentadas com mentiras. Mais precisamente, há mentiras nas bebidas na medida em que elas possuem licor. Assim há mais mentira no absinto que no vinho. - Respondeu o homem.
Vale-se então beber do vinho.
Não quando se pode beber da verdade e se livrar dos malefícios da mentira, ainda que menos substancial.
O jovem se calou, refletindo.
Esse licor tão valioso, se não é uma criação dos homens, de quem é então? - Ponderou o jovem.
Agora foi a vez do homem se calar. Uma figura corcunda saia pela porta da taverna a qual os dois observavam, e caminhava na direção deles. Era um mendigo, provavelmente ocupante dos jornais sobre o qual eles se sentavam. Levantaram-se os dois, cordialmente.
Boa noite. - Disse o homem ao dono do leito.
Este não respondeu, olhava para o homem, que agora puxava algo do interior do casaco. Uma garrafa.
O homem depositou a mesma, cheia de um líquido transparente, nas mãos do mendigo. Deu meia volta e entrou pela viela. O jovem em seus calcanhares.
O senhor deu-a ao mendigo. O senhor é um homem muito bom. - Disse o jovem, encantado, já de volta para os subúrbios.
Diga ao teu pai isso, pois ele há de ser ainda melhor. - Respondeu o homem nas sombras, com uma voz calma e astuta.
Não entendo. O que quer dizer? - Perguntou o jovem, agora evidentemente curioso.
Com certeza lhe deu água de beber mais vezes que eu.


Posts relacionados

Nenhum comentário: