26 dezembro 2015

Melhores leituras - 2015 - Matheus H. S



Melhores leituras - 2015 -

Todos as anos passamos os olhos em inúmeras leituras, entretanto, há sempre aquelas que se sobressaem e marcam muito mais com seus significados e profundidades.
Há livros, inclusive, que alteram até mesmo nosso modo de pensar e agir. Foi a partir disso que a ideia para essa breve lista surgiu, partindo das minhas leituras mais interessantes de 2015. Fiquem então com as recomendações e uma breve resenha de cada obra.



• O Lobo da Estepe - Herman Hesse


[...]Como haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio um mundo de cujos objetivos não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! Não consigo permanecer por muito tempo num teatro ou num cinema[...] 

O Lobo da Estepe, uma das mais conhecidas obras de Hermann Hesse, é aquele tipo de livro capaz de afligir profundamente a alma e a mente do leitor, o levando a uma radical reconstrução dos conceitos de si mesmo, do mundo e da vida. A obra toda é composta por uma escrita incomparavelmente envolvente, erudita, complexa e por combinações tão perfeitas de palavras que parece impossível deixar de reler determinados parágrafos mais de duas ou três vezes.

É em volta da angústia existencial de Harry Haller, nosso protagonista, que se desenvolve o livro; nele, temos um erudito misantropo de meia idade que, devido ao seu singular modo de ser, se vê em constante conflito com sua época, com a sociedade, com a mediocridade da massa e vulgarização da vida e dos valores com os quais não consegue adequar.Não obstante, Harry Haller sustenta também um conflito com si mesmo, com a sua personalidade lamentavelmente dividida, isto é, com o Lobo da Estepe, sua outra face, no qual encerra  toda sua natureza selvagem, viril e desregrada cujos valores burgueses o obrigam a reprimir.Procede que se ele se comporta tal como um erudito senhor burguês ou realizava uma das chamadas boas ações, o lobo, em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação; entretanto, quando ele agia selvagemente como lobo, sua parte homem esperava para condena-lo e interferir  porque o homem civilizado nada mais é do que o selvagem adestrado, cujos verdadeiros impulsos foram condenados pelas normas sociais.

Quando nosso angustiado personagem finalmente decide deixar de lutar por uma vida que já deixou de ter sentido, e se vê perdido em meio à lamento, pensamentos suicidas e delírios, Hermínia entra em sua vida, uma mulher igualmente singular que gradualmente lhe ajuda a integrar as personalidades opostas que lhe habitam e, enfim, aceitar e amar a própria existência.

Enfim, O Lobo da Estepe é um verdadeiro mergulho introspectivo, angustiante e, ao fim, transcendente, entretanto, é devido ao seu grande poder de marcar e mudar a vida daqueles que o tem em mãos que recomendamos a sua leitura

• A Queda - Albert Camus


Somos todos casos excepcionais. Todos queremos recorrer de qualquer coisa! Cada qual exige ser considerado inocente, a todo custo, mesmo que para isso seja preciso acusar o gênero humano e o céu. [...]

O livro todo é constituído por um longo monólogo do intitulado “Juiz-Penitente”, que narra em um tom confessional sua própria vida em duas partes; na primeira, revela seu passado de glórias, de como se sentia um sujeito exemplar: bem-sucedido profissionalmente, inteligente, admirado pelas mulheres e tudo aquilo que o homem submetido aos moldes da sociedade almeja para considerar-se pleno. Entretanto, um singular episódio altera toda sua vida: ao atravessar uma ponte presencia o suicídio de ma mulher nas águas do Sena e nada faz para salvá-la.

Este evento exerce grande efeito sobre sua psique e desestabiliza completamente seu modo de existência; após este ponto, nosso Juiz-Penitente nos conduz a um processo de exame da consciência, reconstruindo,e criticando todas as suas crenças; refletindo sobre os mais diversos aspectos da natureza humana, como as relações sociais e concepções que sustentamos de nós mesmos, dos outros, da vida e do mundo.Em uma palavra: nos leva à uma jornada introspectiva de autoconhecimento, desbravando o mundo que se revelara diante de seus olhos após A Queda dos valores(conseqüência da Queda da mulher da ponte) que tanto confortavam sua existência.

Aos mais corajosos dispostos a terem suas muletas existenciais abaladas pelas palavras da literatura-filosofia do Absurdo de Camus, fica nossa recomendação de leitura; este livro promete profundas reflexões ao fim de cada página, e uma nova maneira de julgar o mundo que se estende ao nosso redor.

• Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévsky


[...] Assim hoje, estou particularmente oprimido por uma lembrança longínqua; surgiu em mim muito nitidamente há alguns dias, e desde então, me persegue sem tréguas[...]Ora, é preciso absolutamente que eu me desembarace dela[...]Eu imagino, não sei mesmo porquê, que se a registrar, ficarei livre. Por que não tentaria?

Memórias do Subsolo (ou Notas do Subsolo) é uma das menores obras de Dostoievsky; nela, somos levados ao perturbador conteúdo da mente do protagonista, um trabalhador russo de 40 anos que reside no subsolo de um edifício de São Petersburgo.

Na primeira parte do livro, nosso protagonista discorre sobre toda amargura de sua existência da maneira mais pessimista, raivosa e infeliz possível; deixa-nos bem claro sua personalidade miserável, sua volúpia provinda da própria humilhação. De uma maneira geral, apresenta sua visão desencantada acerca do mundo, de si mesmo e outros aspectos da existência (a palavra “existência” repete-se muitas vezes no decorrer do livro; é também considerada a primeira obra existencialista) como uma introdução para o registro que fará das lembranças que lhe aflige a consciência.

A segunda parte, intitulada A propósito da neve fundida, é composta por três pequenas histórias sobre episódios de sua vida, nas quais revela a maneira perturbadora que subjetivizou os eventos em questão, tal como mostra mais aspectos de seu singular modo de existir no mundo e de se relacionar com as pessoas.

O Subsolo é um livro fascinante, infeliz, deprimente; muito além de nos impressionarmos com o estilo de escrita de Dostoiévsky, nos impressionamos com a profunda subjetividade do personagem. Perante as linhas desta obra, não parece que estamos lendo uma obra de ficção composta por períodos bem arquitetados ou personagens pré-fabricados; a impressão que temos é a de que estamos passando os olhos nas páginas de um diário escrito livremente por uma mente complexamente perturbada – pelas confissões do próprio autor.
Além disso, ao analisá-lo, é possível ver que a essência da psicanálise já existia na literatura; uma vez que, no decorrer da obra, pressupõe-se que “O subsolo” é o próprio inconsciente, e que a razão de escrever suas recordações é sua crença de que, manifestando-as, elas haverão de deixar de lhe oprimir (assim como na ciência da cura pela fala, exterioriza-se o conteúdo que oprime a mente).

Acima de tudo, ele nos coloca em contato com a realidade de um homem verdadeiramente afetado pela angústia de sua existência, e não por sofrimentos supérfluos dos quais muitos se queixam hoje em dia; faz-nos ver como uma mente brilhante combinada à proscrição e o sofrimento é capaz de produzir grandes obras.

Com efeito, Notas do Subsolo merece a atenção de todo bom leitor; entretanto, é preciso estar psicologicamente preparado para sobreviver à influência do pessimismo quase suicida que banha cada linha deste livro, tal como de muitas outras obras deste venerável autor.

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Se você se interessou por alguma das obras, não deixe de ler! Estão todas mais do que recomendadas. 2016 está chegando e tenho vários projetos e explanações de idéias deste gênero. Qualquer crítica, elogio ou sugestão de leitura (tanto um conto quanto uma peça teatral ou livro) pode ser deixado nos comentários.

Em breve, outros autores aqui da J.D postarão listas similares, fiquem atentos.


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